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  • Foto do escritorMariléia Sell

Essas feministas inúteis

Volta e meia promovo a Letras Insubordinadas, minha página, que traz material sobre agendas feministas e questões ligadas a gênero, como crônicas, contos e cards. Estudo essa temática, academicamente, desde 2005, na interface com a linguagem, tendo desenvolvido uma dissertação de mestrado e uma tese de doutorado na área. Além disso, considero-me ativista da causa, doando parte do meu tempo para fazer palestras e formações. Isso porque gosto de uma sarna para me coçar. Podia estudar gastronomia, geografia, cartografia, coisas menos polêmicas, menos ideológicas. Se bem que, ultimamente, matérias que já havíamos plenamente assimilado dos tempos de escola estão se revelando mistérios pouco investigados pela ciência. Penso agora no tempo desperdiçado para descobrirmos, tão tardiamente, que a terra pode ser plana e que o aquecimento global é uma invenção marxista. Foi mesmo um erro deixar os/as cientistas invadirem a ciência. Receio que não haja mais temas seguros mesmo.


Arte por Daniel Cunha

Na minha página, convivo com a desaprovação diária e com os xingamentos dos que se sentem ofendidos pelo feminismo, especialmente as mulheres. Ontem uma mulher se sentiu autorizada a comentar que as feministas são um “bando de inútil” e que queria “ver mulher lutar por coisas que nos interessa”. Respondi que uma das coisas que o feminismo fez de útil para as mulheres foi lutar pelo acesso à educação, pelo direito à alfabetização. Disse também que outra coisa importante é que, graças ao feminismo, as mulheres podiam vir a público dar a sua opinião, mesmo que sem cabimento, porque tudo, afinal, é exercício. E que se não fosse pelas lutas feministas ela própria poderia não ter tido o direito de votar, provavelmente no coisa ruim (isso eu não disse, apenas pensei). Seguiu uma interação nada amistosa porque ela me acusou de arrogante, já que não havia pedido a minha opinião. Lembrei-a de que ela havia opinado primeiro e voltei aos tempos de jardim: “foi ela que começou”. Seguiram alguns emojis de vômito e gifs com caras de nojo e, por enquanto, estamos assim, neste pé.

Uma outra mulher sentiu-se muito afrontada com a menção ao feminismo e foi logo afirmando que tá fora e que “o feminismo não ajuda em nada”. Já estava com a interação anterior mal resolvida, a da mulher que me chamou de autoritária, e respondi, meio impaciente, que a figura mais triste de se ver era a da mulher machista. Ela não hesitou em me responder que preferia ser uma mulher triste a ser uma feminista, acionando toda a sua compreensão sobre o movimento: “mulheres urinando e defecando na rua: uma vergonha para todas”. Eu respondi que talvez lhe coubesse melhor mesmo a tristeza e seguiram-se inúmeros desencontros conceituais e dislikes. Não deu tempo de ela lembrar que as feministas são feias e que não se depilam. Mas esse assunto, de incontestada relevância nacional, já foi exaustivamente discutido no whatsapp durante a última campanha eleitoral para presidente e também retomado pela ministra da mulher, família e direitos humanos em suas pregações. As mulheres femininas, aquelas que preferem a cor rosa ou os tons pastéis, não as feministas, que afrontam ambientes masculinos e sérios com ousados decotes vermelhos, são as preferidas pelos homens. É sabido e consabido que temos mais vocação para o ballet do que para política. Essas feministas são umas inúteis mesmo!


 

Publicado originalmente no jornal Visão do Vale

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