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  • Foto do escritorMariléia Sell

A cartomante

Atualizado: 14 de jan. de 2019

Claudete era dessas que gostava de se guiar pelas orientações de um/a profissional. Não dava um único passo sem consultar a sua cartomante.  Gostava de dar uma espiada no futuro, especialmente em épocas de virada de ano. Gostava daquela sensação de espera quando a cartomante perfilava as cartas em trincas e começava a decifrar a combinação. A sensação de receber revelações misteriosas a fazia sentir-se parte de algo maior. Nesses raros instantes, sua vidinha sem graça adquiria algumas cores e alguma magia. Claudete andava especialmente preocupada com o amor. O que o ano lhe reservava nesta área?  “O Rodolfo me ama?”, quis saber do oráculo.


Arte de Daniel Cunha, a partir da ilustração de Josefina Schargorodsky.

A cartomante pede o nome completo de Rodolfo. Era Rodolfo Gomes de Oliveira.  E o sobrenome de Claudete era Soares Azevedo. E tinha um nome do meio, que Claudete omitia sempre que possível, não tanto pelo nome em si, mas pela combinação dos nomes. Quem poderia pensar em Claudete Mirtes? A cartomante pede para a consulente embaralhar as cartas e escolher três. A carta da justiça, do louco e do papa foram depositadas sobre a mesa sem maiores ruídos. Claudete ficava visivelmente tensa nessas horas. A pergunta fora muito direta. E se Rodolfo não a amasse? Se não tivesse reais intenções de ficar com ela? Se fosse apenas um caso passageiro? Se tivesse outra? Ficaria arrasada, certamente. Claudete, normalmente, evitava perguntas tão polares às cartas. Ficava com medo das respostas.

Concentrada, a cartomante começa a leitura das cartas. “A carta da justiça mostra que ele está buscando equilíbrio, um novo direcionamento na vida”. Claudete não quer interromper, mas fica inquieta. Qual seria essa nova direção? “A carta do louco indica outros pensamentos na cabeça”, continua a cartomante. Outros pensamentos? Como assim OUTROS pensamentos? Quais? Estaria ele pensando em OUTRA? “A carta do papa, para nove de 10 tarólogos, indica casamento”. Claudete prende a respiração. Casamento? Será? Será que Rodolfo tem intenções de casar? Com ela? Mas se era com ela, porque apareceram os prenúncios de novas direções na vida de Rodolfo? Precisava fazer mais perguntas ao tarô. Estava tudo muito nebuloso. “A soma do arcano oculto dá 17, que é a estrela”, continua a cartomante. “A estrela significa novas vibrações, busca de novas experiências, novos caminhos, entende?”. Agora Claudete estava realmente atordoada. Seu coração estava aos pinotes. NOVAS experiências? NOVOS caminhos? O que isso significava? Seria uma outra pessoa no caminho de Rodolfo? Novas relações? A cartomante prossegue. “A soma de um mais sete dá a carta da justiça, que mostra, novamente,  mudança de caminhos”.

Claudete estava mais confusa do que quando entrara na sala. Estava também um pouco tonta com o cheiro do incenso. Não poderia sair dali sem saber a resposta. “Rodolfo quer ficar comigo, ou pensa em outra”? Essa pergunta era importante porque Rodolfo nunca lhe dava mostras do seu real sentimento. Sempre quando falavam em futuro, ele dava um jeito de desconversar. Isso a deixava muito insegura. O ritual se repete e Claudete Mirtes coloca as cartas sobre a mesa. “A carta 22, o rei de ouros e a torre”. Claudete olha fixamente para as reações da cartomante e começa a se arrepender da ideia da consulta. Algumas coisas é melhor não saber mesmo, começa a considerar. “A carta 22 significa novos horizontes, novos pensamentos, necessidade de avaliação”. De novo isso, pensou Claudete já um pouco irritada com a insistência do tarô. “O rei de ouros ao lado da carta 22 representa novas possibilidades”, prossegue a cartomante. Como se Claudete já não soubesse! Agora era a vez da torre. Claudete não gostava dessa carta. Dava-lhe arrepios. “A torre indica a casa caindo, coisas novas surgindo, a mente se abrindo para novos conhecimentos, mudança de opinião, perda de afetos”. Perda de afetos? Como assim, quis perguntar Claudete. “O arcano oculto dessas cartas dá 11, que é a força”, prossegue, de forma imperturbada, a cartomante. “A carta 11 representa nova compreensão de mundo, novas escolhas, um novo processo”.

Claudete resolve terminar a consulta. Subitamente não tem mais perguntas. O tarô é assim mesmo, convence-se. As cartas não mentem, mas é a gente que precisa dar sentido às mensagens. Nada é explícito. A nova direção na vida de Rodolfo e os outros pensamentos na sua cabeça certamente estariam relacionados a um pedido de casamento que faria a ela. Sim, a carta do papa era, afinal de contas, casamento. E seria com ela. Ele reavaliaria a relação estagnada e chegaria à conclusão de que é preciso abrir-se para novas possibilidades, seriam essas as escolhas novas apontadas pela carta da torre. A carta da torre não precisa, necessariamente, ser ruim, reflete. Para construir novas coisas, é preciso que as antigas caiam ao chão, reconforta-se.

Claudete despede-se da cartomante satisfeita por ter interpretado as cartas de forma tão magistral. Estaria pronta para os novos caminhos do amor no ano novo.


 

Texto publicado originalmente em Visão do Vale, em 31/12/2018.


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