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  • Foto do escritorMariléia Sell

Todos contra os professores

Atualizado: 26 de fev. de 2019

A deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP) achou finalmente a causa dos problemas da educação brasileira: os professores. “Eles não sabem ensinar, não foram ensinados a ensinar, passaram por um processo ideológico e repetem aquilo que aprenderam”. Essa linha de argumentação foi usada para justificar que é inútil investir mais dinheiro em educação: “é como colocar mais água em uma mangueira furada”.


Arte de Daniel Cunha a partir da ilustração de Sbaglio uno Sbadiglio.

Não é de hoje que começou a cruzada de desmoralização dos professores e das professoras no Brasil. Somos acusados de doutrinação ideológica e de gênero. Damares Alves não nos deixa esquecer dos perigos que uma escola pode representar na vida de uma criança, por isso ela recomenda as igrejas: “seremos uma nação evangélica”, declarou. Por isso, defende o homeschooling: os pais e as mães assumem a profissionalidade dos educadores. Por isso diz que foi um erro terem deixado os cientistas invadirem a ciência, fazendo alusão à importância de se ensinar o criacionismo nas escolas.

Logo após o golpe, o presidente Temer congelou os gastos em educação por 20 anos. O atual presidente gritou nos microfones que era favorável à militarização das escolas e à educação à distância desde o nível fundamental. Avisou também, aos berros, em solilóquios, não em debates como deveria ser, que o marxismo é uma ameaça aos alunos brasileiros. Jair Bolsonaro defende que se vigie os professores, que se grave o que fazem nas salas de aula. Fico pensando que essa ideia, apesar de ser um atentado à liberdade de ensinar e de aprender, faria algum sentido se pudéssemos gravar o que os políticos fazem.

A última investida contra a categoria é a proposta da reforma da previdência, que quer extinguir a aposentadoria especial. Na nova regra que Bolsonaro e Guedes entregaram ao Congresso, no último dia 20, a idade mínima para os professores se aposentarem é de 60 anos, com tempo de contribuição de 30 anos. Isso para se aposentarem com 80% do salário. Para atingir a integralidade do benefício, só com 40 anos em sala de aula. Atualmente, as professoras se aposentam com 25 anos de docência e 50 anos de idade. Os professores, com 55 anos e 30 de contribuição.

Esses ataques sistemáticos escancaram uma triste evidência: a negação do conhecimento e a demonização do professor. Somos agora os inimigos da nação, não sabemos ensinar: os indicadores das avaliações externas são baixos e aproveitamo-nos da audiência cativa para doutrinar e perverter crianças e jovens. Quem nos diz isso são os nossos políticos, eleitos pelo povo, legitimados a falar em tribunas e a fazer leis. Joice Hasselmann foi autorizada pelas urnas a propor leis, mesmo que plagiadas, e falar mal de nós, professores, que defendemos trabalhos de conclusão de curso, dissertações de mestrado e teses de doutorado preservando a propriedade intelectual alheia. Jair Messias Bolsonaro está totalmente avalizado por 57 milhões (quase 58) de brasileiros a acabar com a educação e a jogar o país em estatísticas que lamentaremos para sempre. O ministro da educação, Ricardo Vélez Rodrigues já adiantou o plano: a educação será para poucos. E sabem por que? Por que para dominar um povo é preciso que ele seja alienado, que ele estude Moral e Cívica nas escolas e aprenda, de uma vez por todas, que não houve ditadura no Brasil. Para dominar um povo é preciso que as igrejas coalhem em cada esquina e que os pastores digam aos fiéis que é pecado ser gay. Para dominar um povo é preciso que ele esteja curvado às leis do capital e que defenda o patrão. Para dominar um povo é preciso que ele desdenhe o professor, que ele desacredite da escola. Para o projeto em curso, é necessário acabar com o professor, reduzi-lo a uma figura triste e patética, uma figura pobre, financeiramente e moralmente. Para dominar um povo é preciso que a ignorância seja celebrada em todos os altares e que o mundo seja explicado com dois palitos em uma ode à simplificação da razão.


 

Texto publicado originalmente em Visão do Vale, em 23/02/2019.

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